quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

[noises] Parte I


[noises] Ruídos de uma pós-adolescência. Parte I


“Quando o carteiro chegou e meu nome gritou com a carta na mão” segurei meu cão pela coleira, mas o soltei em seguida e deixei que comesse as cartas (contas), afinal nutria uma fome de no mínimo três dias, não seria justo com ele querer que entendesse essa ridícula situação, era apenas um animal. Olhei de rabo de olho novamente para o carteiro, talvez eu o comesse. Deixaria para o cão suas roupas, uma péssima combinação de amarelo ovo e azul.
Bem, há dois meses quando vim para cá, trazia minha mala e alguns moveis. Na cabeça sonhos de liberdade, no entanto o que resta hoje na mesma cabeça é a palavra fome, no estomago também. Com o tempo nada mais parece um sonho. A “casa”, três cômodos em uma modesta vila, possuía paredes brancas que pareciam me transportar para as nuvens, hoje trazem manchas de infiltrações maquiadas por uma tinta que faz questão de se desfazer em pedaços pelo chão [irritante semelhança comigo]. Os vizinhos me procuram para reivindicarmos essas questões, mas me lembro que mais uma vez preciso procurar emprego.
Vinte e poucos anos, diplomas em punho, experiência vasta em estágios de como vencer na área, agora, nunca pensei que o que realmente contaria seria a experiência em gente. É isso mesmo! Gente com letras maiúsculas. Alguém sempre tem que te conhecer e você conhecer alguém. Diplomas de graduações, mestrados, afins são apenas papeis que um dia alguém dará para o cão comer. Lembro-me da minha mãe, em vários momentos de repressão ao meu jeito, dizer:
– Essa sua mania de gostar de gente...
Confesso que eu não entendia até dois meses atrás, mas agora entendo: “Gente não se gosta, se conhece, se usa e pronto”.
Chego à última entrevista do dia: Salto, calça slim fit, regata, lenço palestino no pescoço, óculos... Fiu... Fiu... Gostosa!!! [frase entoada pelo recepcionista do edifício]. Nem tudo parece estar perdido, dizem que para uma mulher o seu pior inferno astral é quando passa em frente uma construção e ouve apenas o silêncio. [risos no elevador] Tenho que me concentrar, enfim a entrevista: Sento-me e de forma serena respondo quase todas as perguntas. Enquanto minha boca fala o necessário, minha mente viaja profundamente em cada riso, choro, brincadeira, dificuldade, vontade de desistir, medo, glória, derrota, sentimentos comprimidos e representados por papeis que simbolizam cada ciclo iniciado e fechado ao longo da vida. Gasto todo meu potencial mental e profissional, porém levando em conta a última pergunta feita após um “entraremos em contato com você de acordo com as necessidades da empresa” as palavras de nada valeram. E a pergunta que ficou sem resposta foi: Quer sair comigo está noite?
Chego ao portão da vila, que talvez devesse chamar de casa. O cão ainda se diverte com os papeis tentando embrulhar o estômago, o meu canta ópera de tanta fome. Não entro. Pego o ônibus. Sento na janela. Tenho somente a ida, talvez não devesse mais voltar. Após quase uma hora de viaGem, salto na “minha casa”...agora casa de meus pais,onde sou uma visita, filha que retorna após dois meses de liberdade. Recebem-me com uma farta mesa. Palavras?! Eu não as tenho mais. Volto ao meu antigo quarto. Deito em minha eterna cama e durmo o sono de uma criança de cinco anos. Sem pressa e sem necessidade de acordar.

Van [?]

6 comentários:

  1. E eu aqui, comentando primeiro..rs

    Vanessa o texto está ótimo! Contemplando o insólito, conforme proposto por você mesma.. Mas o que é o insólito? É o extraordinário, o desacostumado, o que é fora do vulgar, o incrível? Sendo isso, e vindo de você, o que esperar além dessas características?

    Bem vinda ao mundo virtual, menina linda, dos cabelos crespos, das risadas histéricas, dos vestidos sempre curtos, dos olhos de gueixa, do toque leve, e da saudade imensa que deixa!

    Bom dia!!
    Susanna

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  2. "Sem necessidade de acordar"... Perfeito!

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  3. O que dizer sobre uma escritora que faz tanto mistério em torno de seu talento?...Vanessa, parabéns pela escrita doce e ao mesmo tempo tão profunda!Vc resumiu em uma frase uma realidade que infelizmente se insinua todos os dias diante de nossos olhos:“Gente não se gosta, se conhece, se usa e pronto”.
    Ainda bem que existem exceções...Gente se gosta SIM! E agora eu gosto não só dessa menina cantante, como também estou amando seus textos!

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  4. "Alguém sempre tem que te conhecer e você conhecer alguém."

    Pois é...complexa regra do mundo moderno!!

    Parabéns pelo texto! Muito bom!
    bjosss..Vanessa!!

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  5. oiee..
    adorei o seu blog!
    Parabéns!

    beijos.

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