Sempre fiquei intrigado com quem diz, com mais saliva do que dentes: eu não o leio porque não faz meu tipo. Ou eu não gosto dele porque é concretista. Aquele cara não presta porque é conservador, neo-romântico. Não fui com o jeito de pronunciar o efe daquele autor. As aparências enganam, mas a falta de aparência engana mais ainda.
Há centenas de tipos de letras, mas a maioria ainda continua a escolher a times new roman. Porque é a primeira que aparece. Os hábitos provocam o desaparecimento da personalidade, a rotina preserva a não-existência. Fazer tudo da mesma forma é um jeito quase seguro de não aparecer, de ser invisível.
A literatura não é uma religião, não há a figura de um padre ou pai-de-santo ou pastor ou rabino a seguir. É uma solidão dentro do nome. Mais desaforo do que elogio. Mais dúvida do que dogma. Estranheza em estado bruto, inadiável, que inverte a ordem do senso comum, cava contradições, fornece velocidade ao idioma, não é para enrolar, mas para dizer unicamente o necessário. Um bom livro não adormece, instaura a insônia da alegria, a euforia de ter encontrado a palavra certa para o que vivemos ou podemos viver. O poema, por exemplo, tem que ser simples, não simplório; rápido, não fácil; autêntico, não rebuscado.
Está se precipitando uma guerra pouco santa. Encalha-se no narcisismo desde a leitura. A criação apenas a amplifica. Acredito que se desaprendeu a ler para reafirmar a vaidade da autoria. Todo leitor se transforma em um escritor apressado, louco para se enxergar estampado na capa de alguma brochura. Ou seja, o leitor está mais interessado em escrever do que ler. E ler se converteu em escritura anônima. Segue-se uma receita, com a covardia em preparar o almoço de olho e acrescentar novos ingredientes. Nada disso seria problema, mas acaba-se não sabendo ler o que não é espelho, intimidando possibilidades de transgressão e aventuras na linguagem. O que não é espelho é rosto e muitos se apavoram em olhar de frente os olhos abertos que não os seus. Não se lê outros autores porque se está interessado unicamente em reiterar a identidade. Assim, ninguém lê ninguém, o autor somente se procura em cada livro e não valoriza o que difere de sua voz. Ao invés de multiplicar as diferenças, somam-se as subtrações. A megalomania na leitura gera mais crítica dentro da criação do que criação. Os livros passam a ser ensaios de como se escrever mais do que narrativas e poesias versando sobre o cotidiano. O que era para servir para entrar no mundo assumiu o caráter de fuga do mundo. Os escritores lêem escritores para se amar duas vezes, mergulhando em uma metalinguagem sem bilhete de volta. Esquecem que o público não está interessado em manuais de datilografia ou de poemas falando de poemas. Coroa de flores nunca vai cheirar a flor.
Não aprendi muito na literatura, mas algo me previno: eu não leio para repetir o que escrevo. Nem escrevo para repetir o que leio.
Carpinejar
"Não aprendi muito na literatura, mas algo me previno: eu não leio para repetir o que escrevo. Nem escrevo para repetir o que leio".
ResponderExcluirSENSACIONAL!
Obrigada por compartilhar conosco essas maravilhas!... Não conhecia o Carpinejar... Agora, já admiro sua escrita!
Bjuuussss!!!
"Coroa de flores nunca vai cheirar a flor."
ResponderExcluirPois é. E ponto.
E saudades...